Pinto de luz a mesma aguarela, e é da mesma varanda que vejo o mar e respiro o mesmo vento, e os lábios entreabrem-se num sorriso cheio de vida, e sinto-me pequeno porque a beleza de tudo me esmaga e explode em mim.
E vou em frente, lidero o trilho, desbastando atalhos e veredas, cruzando caminhos, criando mapas.
Apaixono-me. Vivo, revivo, sinto intensamente, renasço, reinvento-me, sinto a beleza das manhas de Verão. Emociono-me e choro, e olho as estrelas e aqueço as noites num abraço imenso que é só dar.
Tornam-se audíveis sons que sempre ignorei. Alguém me salva os dias que vou moldando com ilusões como molda com suor o oleiro um pedaço rude de barro.
Mas tudo vai escurecendo como um entardecer, solitário e fatal. Canso-me de sonhar, outra vez, vencido pelo cansaço. Os dedos abrem-se lentamente, o tesouro que guardava é pó que o vento acaba de levar.
Quimérico e irreal, não está cá ninguém! Miserável. Chorar a partida de alguém que nunca esteve!
Pobre criança! Louco! Demente! Volto sempre ao lugar onde ninguém me segue, onde me largam a mão, onde o archote se apaga e perco o equilíbrio e já não sei para onde vou. Perdi-me. Perdi.
A minha alma é uma grande muralha, escura, fria, intemporal e é sempre na perda que eu me vejo, que eu me reconheço, que eu me contradigo!
Paulo Sousa